Recentemente foram veiculadas por grandes veículos de imprensa, matérias reveladoras sobre como os traficantes atuam na captura, transporte e comércio de animais silvestres. A reportagem do Fantástico, por exemplo, mostrou a captura de um cisne-de-pescoço-negro, espécie que vive em bando e migra para a região de Lagoa dos Patos- Rio Grande do Sul em busca de clima mais ameno. Os traficantes sabem que nesse período as aves estão mais vulneráveis e não conseguem voar, tornando-se alvo fácil.
Os vídeos exibidos mostram a captura de uma das aves por traficantes. Após a captura são mantidas em cercados montados pelos traficantes no próprio lago. Nos passos seguintes os animais são repassados para outros criminosos que os mantêm presos em quartos escuros e os transportam dentro de sacos de cebola. Em áudios obtidos pela reportagem, os criminosos comemoram quando todas as aves chegam vivas. No mercado ilegal, um cisne desses pode chegar a custar quase 5 mil reais.
As redes virtuais do tráfico de animais selvagens
As negociações dos animais acontecem principalmente pela internet em grupos de aplicativo de mensagem. Para escaparem das fiscalizações, os traficantes entregam os animais em rodovias ou hotéis de beira de estrada. Segundo dados da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RENCTAS), em 1999 eram cerca de 6 mil anúncios de venda ilegal de animais, já em 2019, foram mais de 3,5 milhões destes anúncios em redes sociais, especialmente em aplicativos de mensagem. Com os avanços tecnológicos e anonimato das redes, o tráfico de animais silvestres alcançou índices globais e uma forte sensação de impunidade.
No último dia 04 de Dezembro, policiais federais deflagraram uma ação em diferentes estados e prenderam um dos maiores traficantes de animais silvestres em São Paulo em um esforço para desarticular uma quadrilha especializada em tráfico de animais silvestres. Foram apreendidos mais de 200 animais e 11 pessoas foram presas. O traficante utilizava as redes sociais para o comércio e já havia sido preso recentemente.
No transporte rodoviário os animais são enviados amarrados em caixas ou sacos e até enfiados em tubos plásticos. Outros de pequeno porte, como iguanas e aranhas podem ser enviados pelos correios e, no caso do transporte internacional, também podem ser levados amarrados junto ao corpo dos intermediários.
Impacto do tráfico na vida selvagem
Estima-se que o tráfico de animais silvestres retira anualmente mais de 38 milhões de animais da natureza e é o terceiro mais lucrativo do mundo, perdendo apenas para o de drogas e armas. Segundo dados do IBAMA, 80% dos animais traficados são aves e uma a cada 5 espécies de aves nativas são impactadas pelo comércio ilegal, em especial passeiriformes (aves canoras) e pscitacídeos (papagaios e araras). Esses dados podem estar fortemente relacionados ao hábito do brasileiro de manter passarinhos em gaiolas para vê-los cantar ou outros tipos de aves, como papagaios na casa de um parente mais idoso pela beleza das espécies ou considerando-os como animais domésticos. A “cultura passarinheira”é estimulada pelos concursos de canto (legal) que movem grandes quantias de dinheiro e status social ou até mesmo rinha de passarinhos (ilegal) (FERREIRA & CHARITY, 2020). Em contrapartida, assim como as aves saem do país, outras adentram para alimentar um comércio interno de concursos de canto de aves que ajudam a perpetuar a captura de animais silvestres e a cultura de posse sobre a vida selvagem. O comércio ilegal está intimamente ligado a “lavagem” de aves capturadas da natureza de maneira ilegal e que são anilhadas (método de identificação de animais silvestres) de maneira fraudulenta para forjar que nasceram em cativeiro e são legalizadas.
Um levantamento sobre o tráfico de espécimes na região amazônica com dados do IBAMA e ICMBIO constatou a retirada de 72 espécies de animais silvestres da natureza entre os anos de 2012 2019, sendo 53% peixes (para consumo ou ornamentação), 18% mamíferos (para consumo ou manutenção em cativeiro), 15% aves e 14% répteis (FERREIRA & CHARITY, 2020). São inúmeras as dificuldades para o combate ao tráfico de animais no país. Por exemplo, na região amazônica, a caça está intimamente relacionada à pobreza, muitos animais são caçados para consumo ou para serem vendidos (traficados) localmente ou regionalmente e é comum também a manutenção de aves e pequenos primatas em cativeiro como animais “domésticos”.
Os dados sobre o tráfico de animais silvestres são escassos e descentralizados no Brasil, uma vez que tanto estados como a federação fazem fiscalizações para combater a prática e não uma consolidação dos dados, dificultando sua análise e impacto das ações de repressão e prevenção (FERREIRA & CHARITY, 2020). Estima se que de 10 animais retirados da natureza apenas 1 chega ao seu destino final. E os que sobrevivem ainda podem ficar com danos permanentes, como fraturas, cegueira além dos traumas psicológicos. Além de todo o sofrimento da captura e transporte, esses indivíduos serão mantidos enjaulados por uma vida toda para satisfazer o prazer cruel de colecionadores, privados de expressar seus comportamentos naturais e de receber cuidados adequados, como uma dieta equilibrada, interação social e experiências emocionais positivas. O tráfico também compromete o equilíbrio ambiental, coloca espécies em risco de extinção, explora pessoas em maior vulnerabilidade social e está associado a outras práticas criminosas.
Tráfico de animais selvagens indica como nossa relação com a natureza é predatória
O costume ainda presente na sociedade de manter animais silvestres como domésticos ou semi domesticados são traços de hábitos herdados tanto dos povos indígenas originais do país como dos europeus que exploraram a riqueza da fauna e flora brasileiras. Com isso, implantou-se um interesse pela beleza dos animais e, consequentemente, pela mercantilização dos espécimes capturados (FERREIRA & CHARITY, 2020).
Entretanto, com os avanços tecnológicos, sociais e o acesso a informações, o tráfico global de animais silvestres (potencializado em sofrimento e exploração) pode ser considerado um sintoma de que a interação humana com a natureza precisa mudar e que todos nós, de forma direta ou indireta colaboramos com esse comércio cruel. Muitos defendem que o comércio legalizado de vida selvagem ajudaria a combater o tráfico, mas nós do Fórum Animal não acreditamos nisso. Primeiro, que o comércio mesmo legal não é moral. Animal nenhum deveria ser tratado como mercadoria, muito menos espécies silvestres que possuem necessidades ambientais, nutricionais e comportamentais tão complexas que nenhum cativeiro ou criador amador poderá suprir. Segundo, que o comércio legal tem altos custos que muitos interessados em adquirir animais não vão querer bancar e com isso, o comércio paralelo (ilegal) vai se manter e perpetuar, mantendo animais em condições ainda mais incompatíveis com sua sobrevivência e qualidade de vida.
Precisamos avançar em nossos valores éticos e morais, sendo urgente entendermos que os animais não são nossa propriedade, que não podemos dispor deles como bem quisermos.Não podemos mais achar natural uma cultura que vê beleza no cárcere. Os animais são belos na natureza, podendo viver suas vidas livres, garantindo a perpetuação da espécie e interação com o ecossistema que estão inseridos. O comércio de animais silvestres é um crime perverso que retira dos animais o seu direito a viver dignamente. A maioria desses indivíduos mesmo se resgatados não terão condições de soltura pelos danos permanentes. Um animal silvestre enjaulado pode ser tudo menos um animal doméstico. Repense sua relação com eles, respeite sua natureza.
Por fim, que nós possamos copiar o exemplo da Índia, que em decisão histórica proibiu a manutenção de pássaros em gaiolas. Na decisão, o juiz Manmohan Singh diz: Tenho claro em minha mente que todos os pássaros têm os direitos fundamentais de voar nos céus e que os seres humanos não têm o direito de mantê-los presos em gaiolas para satisfazer os seus propósitos egoístas ou o que quer que seja”.
Referências :
- RENCTAS.- ONG de combate ao crime rastreia o comércio de vida selvagem no Brasil no WhatsApp e no Facebook
- GLOBO. Caça ilegal e falsificação de registro: quadrilha movimentava milhões com tráfico de animais silvestres
- TRAFFIC. Brazil’s Wildlife Trafficking
- RODRIGUES, P. A MÁFIA DOS BICHOS
- UOL. PF deflagra operação contra tráfico de animais silvestres
- GLOBO. Caça ilegal e falsificação de registro: quadrilha movimentava milhões com tráfico de animais silvestres
- HYPENESS. Índia proíbe pássaros em gaiolas em decisão histórica
Texto: Haiuly Viana