Nesta era digital a internet permite a troca rápida um volume imenso de informações, um verdadeiro bombardeio de notícias boas e ruins. Podemos acessar rapidamente dados de geopolítica, política nacional, questões socioeconômicas, meio ambiente, etc.
Quando queremos um descanso de tantas informações pesadas, o que procuramos para nos distrair? Vídeos “fofinhos” com animais. Inclusive pesquisas afirmam que assistir a estes vídeos fofos com animais beneficia a saúde e auxilia na redução dos níveis de estresse e ansiedade. Mas, você já se perguntou como alguns desses vídeos são produzidos? Infelizmente esses materiais não estão isentos de problemas.
Estudos sobre o impacto de vídeos fofos nas pessoas e nos animais
Um estudo realizado pela Universidade de Leeds (Reino Unido) e uma agência de turismo australiana investigaram os efeitos fisiológicos e psicológicos que a exposição a animais fofos podem ter sobre os indivíduos. A pesquisa foi conduzida com estudantes e funcionários da Universidade que possuíam um nível de ansiedade comprovado. Foram utilizados slides shows com vídeos e imagens de uma espécie de marsupial, da mesma família do canguru, chamado quokka (Setonix brachyurus) considerado o “animal mais feliz do mundo” e que ocorre apenas em uma região da Austrália. Após 30 minutos de exposição a esses slides shows, os participantes do estudo apresentaram redução na pressão arterial e batimentos cardíacos, diminuição no nível de ansiedade e melhora de humor. Os dados ainda sugerem que os vídeos têm efeito maior do que as imagens estáticas. Esses resultados parecem ser benéficos quando consideramos os seres humanos, mas o mais preocupante é que os participantes relataram que gostavam mais dos vídeos em que os animais interagem com humanos ou quando “eles sorriam”. São inúmeras as reflexões que cabem desses resultados, principalmente o potencial negativo das pessoas considerarem benéfico que animais silvestres interajam com humanos e a percepção antropomorfizada de que os animais estavam felizes com esse contato. Há um impacto muito severo destes tipos de vídeos sobre a conservação de espécies silvestres, algumas até ameaçadas de extinção. Primeiro, que no caso dos vídeos apresentados, há uma clara aproximação de quem filma com os animais, ou seja, não são animais de vida livre que sempre optam por manter distância dos humanos. Essa aproximação ou a perda do medo natural dos animais à nossa presença é altamente prejudicial para a conservação das espécies, uma vez que essa proximidade pode acarretar em transmissão de doenças (nossas para eles e vice versa), agressão de animais domésticos, envolvimento em acidentes automobilísticos, agressões, como também dependência de oferta de alimentos e abrigo.
Outro exemplo é o do lóris lento (Nycticebus spp) que é um primata asiático de hábitos noturnos e um dos poucos que produzem em glândulas na região das axilas um óleo nocivo que combinado com a saliva produz um veneno potente transmitido através de mordidas. Na natureza esse veneno é utilizado contra indivíduos da própria espécie para defesa de território ou dos filhotes. Atualmente é vítima do interesse das pessoas para uma domesticação forçada para atender a uma “mania” cruel de produção de vídeos “fofinhos” e está em sério risco de extinção pelo comércio ilegal de vida selvagem.
Quando são retirados da natureza, têm seus dentes arrancados pelos caçadores e são mantidos em gaiolas minúsculas com outros indivíduos, muitos dos animais morrem. Há inclusive um movimento global que busca conscientizar que as cócegas são tortura (https://www.ticklingistorture.org/).

Uma pesquisa intitulada “Cócegas até a morte: analisando as percepções públicas de vídeos “fofos” de espécies ameaçadas (Slow Lorises – Nycticebus spp.) em sites da Web 2.0” analisou comentários relacionados a um vídeo de loris lento publicado no Youtube e quantificaram as atitudes do público em relação à conservação da vida selvagem. Muitos dos comentários afirmavam querer um loris de estimação e após informações serem divulgadas sobre os hábitos da espécie e a forma como eram obtidos, o interesse pela domesticação reduziu. Entretanto, o fato de algumas celebridades compartilharem os vídeos ou estimularem seus seguidores a terem um lóris de estimação ampliava o alcance do material. O ideal é que estes vídeos sejam removidos dos sites, que todo vídeo com animais tenha uma observação de como foi obtido e que celebridades sejam conscientizadas para divulgar informações contra o comércio de animais selvagens. Esses vídeos dos lóris são apenas um exemplo, infelizmente há muitos outros que exploram animais selvagens e tem um impacto desastroso sobre a conservação das espécies.
Importância dos sites verificarem o conteúdo compartilhado e da responsabilidade do usuário
No Youtube as referências aos vídeos tratam os animais como “fofos” e “felizes” e que “adoram carinho”. Será mesmo que animais retirados da natureza, mutilados, vítimas do tráfico, tratados como animais domésticos e forçados a comportamentos antinaturais estão de fato felizes? Podemos avaliar se um animal está adaptado e confortável a uma determinada situação avaliando o seu grau de bem-estar por diversos indicadores, como o estado nutricional, presença de abrigo adequado, condição de saúde e ausência de dores/lesões e oportunidade de expressar seu comportamento natural. Felicidade é um sentimento classificado pelo ser humano e até para nós sua definição é pessoal, uma vez que uma situação pode trazer felicidade para um e não para o outro. Portanto, o mais correto no caso dos animais é respeitar sua natureza, garantir que possa expressar seu comportamento natural e no caso dos animais silvestres, conservar seus habitats naturais e buscar não impactar negativamente a vida desses indivíduos, dando a eles a oportunidade de viverem suas vidas sem nossa presença. Animais silvestres instigam a curiosidade e o interesse geral, mas devemos ter consciência que em condições naturais, nossa presença é uma ameaça para eles e nenhum animal silvestre se sente seguro ou confortável ao ser manipulado ou forçado a um contato desnecessário e cruel.
Repense seus hábitos em redes sociais, tenha noção da sua responsabilidade como usuário e mantenha sempre um olhar crítico aos vídeos que você assiste. Não reproduza ou compartilhe produções que exploram e humanizam animais. No caso dos animais silvestres isso pode agravar o desejo das pessoas adquirirem ilegalmente estes indivíduos, fomentando a caça e o tráfico. Diversão só acontece quando as duas partes dessa relação se divertem!
obs: O vídeo citado pode ser conferido: https://www.firststopsingapore.com/en/quokkatv/
Referências
- FSS. Study: Quokkas can be good for your health. FIRST STOP SINGAPORE.Disponível em https://www.firststopsingapore.com/en/study-quokkas-can-be-good-for-your-health/
- Nekaris KAI, Campbell N, Coggins TG, Rode EJ, Nijman V (2013) Correction: Tickled to Death: Analysing Public Perceptions of ‘Cute’ Videos of Threatened Species (Slow Lorises – Nycticebus spp.) on Web 2.0 Sites. PLOS ONE 8(8): 10.1371/annotation/7afd7924-ca2b-4b9c-ac1b-2cc656b3bf42. https://doi.org/10.1371/annotation/7afd7924-ca2b-4b9c-ac1b-2cc656b3bf42
- TNONLINE. Conheça a triste realidade por trás de vídeos “fofos” de animais. Disponível em https://tnonline.uol.com.br/noticias/cotidiano/67,415299,22,05,conheca-a-triste-realidade-por-tras-de-videos-fofos-de-animais. 2017.
- dos SANTOS, A. O fofo, mas mortal lóris lento usa seu veneno contra seus pares https://socientifica.com.br/loris-lento/. 2020
- International Animal Rescue. The truth behind the slow loris pet trade. Disponível em https://www.ticklingistorture.org/
Por Haiuly Viana, Coordenadora Técnica do Fórum Animal