O mundo inteiro está em alerta em relação à Influenza Aviária (IA). Diariamente acompanhamos os relatos de países em relação ao número de casos detectados, planos de contingência, número de animais acometidos ou mortos pela doença. A expectativa é grande em relação ao que acontecerá com os animais humanos e não humanos envolvidos nestes surtos. Primeiramente, vamos entender o que é a IA e quais suas consequências sobre os indivíduos envolvidos nos surtos desta doença.
O que é a IA?
A IA, também conhecida como Gripe Aviária, é uma doença viral altamente contagiosa que afeta tanto aves domésticas quanto silvestres. Esta complexa doença é causada por vírus divididos em vários subtipos (H5N1, H5N3, H5N8, etc.) cujas características genéticas evoluem rapidamente e em várias partes do mundo.
Os vírus podem ser classificados de acordo com o índice de patogenicidade, Influenza Aviária de Alta Patogenicidade (IAAP) ou Influenza Aviária de Baixa Patogenicidade (IABP). A IAAP é causada pelo vírus influenza A da família Orthomyxoviridae. O subtipo predominante observado na atual temporada epidêmica é o subtipo H5N1.
Aves selvagens migratórias, especialmente aves aquáticas, são o hospedeiro natural e o reservatório dos vírus da IA. Nas aves, os vírus são eliminados nas fezes e nas secreções respiratórias. Todos eles podem ser transmitidos por meio do contato direto com secreções de aves infectadas, especialmente por meio das fezes ou alimentos e água contaminados. Devido à natureza resistente dos vírus da IA, incluindo sua capacidade de sobreviver por longos períodos quando as temperaturas são baixas, eles também podem ser transportados em equipamentos agrícolas e se espalhar facilmente de fazenda para fazenda. Vírus da IA também já foram isolados, embora com menos frequência, em algumas espécies de mamíferos, incluindo os humanos.
Quais as consequências da IA sobre os animais não humanos?
Desde a sua identificação na China em 1996, várias ondas de transmissão intercontinental foram observadas. Normalmente, o vírus é mortal para as aves e entre 2005 e 2021, há registro da morte e abate em massa de mais de 316 milhões de aves em todo o mundo.
Embora diversas formas de prevenção e divulgação sobre o vírus da IA estejam sendo veiculadas, uma das maiores vítimas envolvidas nestes surtos são os animais, sejam estes de produção ou de vida livre.
A IA pode gerar consequências negativas a animais silvestres, especialmente àqueles ameaçados de extinção, podendo levar a um efeito devastador na biodiversidade de nossos ecossistemas. Especialistas suspeitam que a mudança climática também pode estar contribuindo para a disseminação global do vírus da IA, alterando os habitats das aves selvagens e suas respectivas rotas migratórias. Como a dinâmica das aves mudou, é possível que o vírus mantido nestas aves também sofresse alterações.
Em relação às aves de produção, verificou-se, não somente no Brasil, mas pelo mundo, uma intensificação no confinamento das aves. Sistemas que até então ofereciam acesso a ambientes externos agora devem manter seus animais estritamente dentro de suas respectivas instalações. Tal fato pode diminuir o grau de bem-estar das aves, pois dificulta a oportunidade da expressão do comportamento natural das aves, oportunidades de escolha, além de gerar estresse e frustração.
Também é preciso cuidar com os métodos utilizados desde a detecção da doença e até mesmo as formas de eutanásia para necrópsias ou depopulação. Caso estes métodos não sejam efetuados por pessoas qualificadas, treinadas e embasadas em metodologia aprovada pelos órgãos de saúde animal, poderão fazer com que os animais, antes de sua morte, experimentem dor e sentimentos negativos como estresse, medo, angústia e sofrimento. É preciso lembrar que, mesmo os animais que não estiverem doentes, mas que mantiveram contato com animais infectados também deverão ser eutanasiados. Portanto, é possível que animais sadios também tenham suas vidas encurtadas devido aos surtos de IA.
Atualmente, há grande preocupação da disseminação do vírus da IA entre as mais variadas espécies animais. Além de aves de produção, como perus, patos ou gansos, alguns casos já foram relatados em espécies como ursos pardos, golfinhos, focas, visions. O Peru informou que pelo menos 634 leões marinhos e mais de 55 mil aves morreram em áreas naturais protegidas do país vítimas do vírus da IA desde novembro do ano passado, quando o governo decretou um alerta sanitário nacional. No Reino Unido, 66 mamíferos foram testados, inclusive focas. Dessa maneira, o vírus foi encontrado em nove lontras e raposas, sendo positivo para IAAP, a H5N1. É possível que estes animais tenham se alimentado de aves infectadas pelo vírus da IA. Foi verificado que o vírus encontrado nestes animais havia sofrido uma mutação, fato que poderia facilitar sua transmissão entre outros mamíferos e aqui podemos incluir o ser humano. Isso significa que o cenário negativo passa a se estender não somente às aves, mas podem também atingir outros animais.
As consequências geradas pela IA são diversas e com cenários negativos, mas os animais não devem ser incluídos neste contexto como commodities ou vilões, causadores de pandemias, pois eles também são vítimas do vírus da IA e merecem nosso respeito e consideração, como seres sencientes e capazes de sofrer. Toda vida importa e deve ser respeitada e preservada.
Quais as consequências da IA sobre os animais humanos?
De 2005 a 2022, 76 países notificaram a presença de IAAP. Isso significa que há anos o vírus vem gerando resultados negativos a diversos setores, como danos imensuráveis aos animais envolvidos, sejam estes saudáveis ou infectados/doentes, de produção ou vida livre.
Outros atores também são incluídos neste cenários de perdas como produtores, empregos, aumento do custo de vida, restrições do comércio nacional e internacional, além de preocupações relevantes com a saúde pública.
A possível disseminação do vírus entre mamíferos e, posteriormente, para seres humanos acende um alerta bem importante, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que a probabilidade de propagação entre seres humanos ainda é muito baixa, haja visto que o vírus da IA já é conhecido há anos e vem sendo monitorado como uma zoonose de interesse para a saúde pública.
Embora a maioria das cepas de baixa patogenicidade causem manifestações brandas em humanos, foi identificado, desde 2013, que uma linhagem de baixa patogenicidade (H7N9) observada na China causou casos severos em humanos. Sendo assim, o vírus não pode ser subestimado e os cuidados e esforços precisam ser coletivos.
Segundo a European Food Safety Authority (EFSA), o risco de infecção para a população em geral na União Europeia é avaliado como baixo, e para pessoas que trabalham nas áreas de contato com animais, o risco é de baixo a médio, mas com alto grau de incerteza devido a diversidade do vírus de IA circulantes nas populações de aves.
Nos últimos 20 anos, foram observados quase 870 casos de infecção humana pelo vírus da IA H5N1 relatados em 21 países. Destes, 457 casos foram fatais. Isso significa que embora o número de casos seja baixo, assim como a frequência de infecção para humanos, ela pode ter uma taxa de mortalidade alta, de aproximadamente 50%, de acordo com o tipo de vírus. É importante reforçar que estes casos não ocorreram pelo consumo de carne e ovos, mas pelo resultado da exposição direta ou indireta de seres humanos com aves vivas ou mortas, doentes e/ou infectadas ou em ambientes contaminados por secreções ou fezes destas aves.
Desde outubro de 2021, quando o último surto começou, houve cinco casos confirmados do vírus H5N1 em humanos, incluindo um no Reino Unido e uma morte na China. Em janeiro de 2022, uma menina de nove anos no Equador foi infectada com o vírus da IA. Infelizmente, quanto maiores as chances do vírus sofrer mutações e infectar seres humanos, maiores são as chances de ocorrerem mais surtos e até mesmo uma próxima pandemia.
A OMS informa que busca o diálogo com fabricantes para garantir que, se necessário, vacinas e antivirais estejam disponíveis para uso global. Antes considerada um tabu, devido ao desenvolvimento, mutação do vírus e possível ineficiência das doses, quantidade de doses, logística necessária para aplicação em bilhões de aves e em especial, restrições comerciais, agora o uso de vacinas parece ser mais bem aceito por alguns países. Este fato deve-se às perdas tanto financeiras quanto de animais, a atual gravidade da doença e até a possibilidade do vírus tornar-se endêmico devido às suas constantes mutações, haja visto que o abate em massa de animais ou mantê-los cada vez mais confinados não foram suficientes para a contenção dos surtos. Entretanto, é preciso lembrar que a vacina deve ser aplicada como parte de um conjunto de estratégias utilizadas para conter o vírus.
… mas o que há de diferente entre os surtos de IA do passado e o atual, que está dizimando aves silvestres e lotes inteiros de aves de produção?
Desta vez, o vírus está indo a diferentes territórios, passando por aves selvagens, sobrevivendo por mais tempo nestes animais, especialmente nas aves marinhas, agora com possibilidade de ser encontrado em outras espécies animais.
Na Europa, por exemplo, as infecções anteriormente detectadas tiveram seu maior pico durante a migração das aves, e agora percebe-se que esse pico se mantém por um período maior. Isso significa que o vírus está em constante mudança, se adaptando sempre que possível e sobrevivendo por mais tempo e sob diferentes condições.
Para a EFSA, as medidas de biossegurança implementadas ao longo da cadeia de produção avícola da Europa não pareceram ser eficazes na prevenção de toda forma de introdução da IAAP (H5N1) em estabelecimentos avícolas. O prolongado período de risco da IA representa um desafio para a sustentabilidade das medidas de biosseguridade implementadas ao longo da cadeia avícola em áreas de alto risco ou de setores produtivos.
Isso significa que, infelizmente, a disseminação do vírus da IA e suas respectivas mutações caminham a passos largos. Cientistas alertam que os envolvidos no contexto da IA devem encarar a doença como um risco sério durante todo o ano e não mais apenas concentrar os esforços de prevenção durante as estações de migração das aves selvagens. Dessa maneira, o combate contra o vírus da IA torna necessário o uso contínuo de estratégias globais para combater estes e possíveis futuros surtos.
… e o Brasil?
O Brasil é um dos maiores expoentes quando se refere ao setor avícola, sendo considerado o terceiro maior produtor de carne de frango e o maior exportador. Sendo assim, nosso país e todo o mercado que ele atende teriam muito a perder caso também fosse atingido pelos surtos de IA, bem como o imenso plantel de aves mantidas sob nossa responsabilidade a cada ano. Somente em 2021, o número de aves de produção criadas ou abatidas em nosso país foi de aproximadamente 6,2 bilhões, divididos entre frangos de corte, matrizes de corte, perus, patos e outras aves.
Embora a IAAP seja considerada exótica no Brasil, ou seja, nunca foi detectada no território nacional, infelizmente, diversos países das Américas já confirmaram casos, inclusive da sua forma mais grave, seja em aves de produção ou silvestres, como no Canadá, EUA, México, Equador, em especial aqueles que fazem fronteira com o Brasil como Venezuela, Colômbia, Peru e Chile. A Argentina e o Uruguai foram os últimos países da América Latina a confirmarem seus primeiros casos de IAAP, mas até o momento somente em aves silvestres O foco mais preocupante é o confirmado no Uruguai, detectado a 180 km da fronteira com o Brasil. Embora, segundo o MAPA, para o Brasil, a detecção de casos de IA em aves silvestres não signifique impedimento para a suspensão de comércio de nossos produtos, esta informação acende mais um alerta ao nosso país, fazendo que o status de vigilância seja intensificado.
No Brasil não é permitido fazer o uso da vacina contra a IA, mas para proteger seu mercado, intensificou o monitoramento do vírus, bem como a divulgação de informações sobre a IA e medidas de prevenção. Posteriormente aos cuidados em cada granja e monitoramento constante, os órgãos recomendam a detecção precoce e a notificação de casos suspeitos. Caso a doença seja confirmada, para que uma resposta rápida seja considerada, com objetivo de evitar sua disseminação. Para auxiliar no combate a esse vírus, o Ministério da Agricultura elaborou notas técnicas e um Plano de Contingência para coordenar e nortear as ações em torno da IA.
Em linhas gerais, as perdas para o Brasil e seus animais são imprevisíveis, podendo ocorrer o fechamento de importantes mercados e gerar desequilíbrios momentâneos em toda a cadeia produtiva da avicultura, além de alto potencial de sofrimento causado a todos os nossos animais de produção ou de vida livre.
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