Embarcação com cerca de 14 mil ovelhas e 2 mil bovinos a bordo, sob condições extremas, está à deriva na costa da Austrália
O navio MV Bahijah deixou a Austrália no dia 5 de janeiro. A embarcação seguia em direção a Israel com cerca de 16 mil animais embarcados, quando teve que desviar seu curso pelo risco de ataques dos Houthis, um grupo armado localizado no Iêmen (Oriente Médio). Os Houthis têm atacado navios no Mar Vermelho.
Com a ameaça, o MV Bahijah teve que retornar para a costa australiana, onde foi abandonado com os animais ainda dentro, sem possibilidade de fuga.
Agora, 14 mil ovelhas e 2 mil bovinos a bordo do navio enfrentam, sob temperaturas de mais de 40º Celsius, condições extremas de estresse térmico, má ventilação e convivência com os próprios dejetos, enquanto esperam por alguma decisão das autoridades. Esses ruminantes já estão há quase um mês em tal situação insalubre.
Poucas hipóteses
As hipóteses apresentadas para o destino desses animais são poucas: para que desembarcassem na Austrália, teriam que ser submetidos a uma quarentena, conforme indica regra de biossegurança do país; para que houvesse nova tentativa de envio para Israel por mar, a embarcação (que é de propriedade da empresa israelense “Bassem Dabbah Ltd”) teria que contornar a África para evitar o Mar Vermelho, onde o risco de ataque era muito alto. Isso faria a viagem demorar mais um mês.
Nenhuma das alternativas resolve o principal problema: o longo tempo que esses animais têm sido submetidos a grande estresse e sofrimento, tanto físico quanto psicológico. Pelo contrário, só estendem tal cenário de horror e, por isso, não são hipóteses plausíveis.
“As altas temperaturas geram mudanças fisiológicas muito severas nos animais, como aumento da frequência cardíaca e respiratória. A sensação térmica no interior da embarcação pode ser ainda pior”, afirma a gerente técnica do Fórum Animal, Haiuly Viana.
Não é um caso isolado
Infelizmente, esse não é um caso isolado. Quando observamos o Brasil, recordamos que, em 2015, cinco mil bois morreram no Pará, vítimas de afogamento ou abatidos por ribeirinhos ainda dentro do mar. Depois de meses do acidente, manchas de óleo e restos de carcaças ainda podiam ser encontrados por moradores locais.
No cenário internacional, em 2019, quase 15 mil ovelhas morreram afogadas após um navio naufragar logo depois de ter zarpado de um porto na Romênia. Em 2021 ocorreu o caso do bloqueio do Canal de Suez, quando uma grande embarcação impediu a passagem de outros navios por vários dias, inclusive embarcações que transportavam mais de 100 mil animais, com alto risco de morte.
Também em 2021, dois navios que partiram da Espanha com destino à Turquia foram impedidos de desembarcar os animais, por questões sanitárias. Essa cruel situação se prolongou por dois meses, até que um dos navios conseguiu retornar à Espanha. A situação dos animais é desconhecida, mas é possível imaginar o que aconteceu. O outro navio, em que diversos animais já haviam falecido, foi inspecionado pelo serviço veterinário espanhol e recomendado o abate sanitário de todos os animais sobreviventes, por questões sanitárias, e para impedir que o sofrimento dos animais continuasse.
O passado não pode ser modificado, mas a situação atual pode e deve seguir outros rumos. O caso do navio na costa da Austrália é urgente, tempo demais já se passou. Esses animais precisam ser libertados em terra firme, com segurança, e terem seu bem-estar garantido. O Fórum Animal espera que uma solução eficiente e que priorize os animais seja logo estabelecida pelas autoridades locais, e que tanto os bovinos quanto as ovelhas no navio possam encontrar um destino menos cruel do que o atual.
Autora: Haiuly Viana, Médica Veterinária e Gerente Técnica do Fórum Animal