Girafas traficadas pelo BioParque do Rio seguem vivendo uma triste realidade

A situação das girafas que viviam livres na África do Sul e foram traficadas com o objetivo de viverem em cativeiro no BioParque do Rio é alarmante e triste. Em novembro de 2023, completaram dois anos desde que 18 girafas chegaram ao Brasil, e nesse período, os animais que eram jovens se transformaram em adultos.

Esses animais eram de vida livre, segundo a própria documentação do processo da importação, ou seja, não poderiam estar no Brasil como animais importados, mesmo se tivessem tido um “processo” correto, pois a legislação nacional não permite esse tipo de origem. Durante todo esse tempo, as girafas foram privadas de uma interação social adequada e de um ambiente que favorecesse o desenvolvimento de suas capacidades físicas, mentais, psicológicas, cognitivas e comportamentais.

As girafas são animais que dependem de um ambiente complexo e socialmente rico para o desenvolvimento adequado. Inicialmente, elas foram alocadas em caráter temporário no resort Portobello, e depois seriam enviadas para o BioParque, o zoológico do Rio de Janeiro. 

Neste local, elas não tiveram a oportunidade de apresentar esses comportamentos de forma correta, e ainda a privação do convívio com outros indivíduos em grupos sociais estáveis também deixa de cumprir um papel central na capacidade de adaptação do indivíduo em sua fase adulta. Isso resultou em um comprometimento significativo de seu bem-estar.

Quais são as consequências da vida em cativeiro?

A Diretora Técnica do Fórum Animal, Vania Plaza Nunes, comenta que “são vidas que foram instrumentalizadas sem nenhuma opção de escolha.” Das girafas que foram traficadas, quatro já morreram devido a equívocos no manejo e na forma inadequada de lidar com esses animais. Por situações que poderiam ter sido prevenidas pelo manejo correto, essas girafas vieram a óbito ou estão condenadas a viver em cativeiro, mesmo que em um ambiente maior, mas ainda assim privadas de qualidade de vida.

O bem-estar desses animais nunca será completamente atendido, pois a fase mais importante de seu desenvolvimento foi vivida em condições inadequadas. Todos os seus potenciais em relação à adaptação e à capacidade de desenvolvimento foram seriamente comprometidos. Essas girafas foram privadas de um ambiente que lhes permitisse desenvolver plenamente suas características naturais, resultando em vidas marcadas pela privação e pelo sofrimento físico e mental.

Além disso, o confinamento e o manejo inadequado têm consequências diretas na saúde física desses animais, levando a problemas de saúde que poderiam ser evitados em um ambiente natural. Atualmente, as girafas sobreviventes ainda estão confinadas no Portobello Resort & Safari, em Mangaratiba. A falta de espaço e de enriquecimento ambiental limita suas capacidades físicas, e a ausência de estímulos sociais e cognitivos compromete seu desenvolvimento mental e emocional. Esses fatores combinados criam um cenário de sofrimento contínuo, onde o bem-estar das girafas nunca será plenamente alcançado.

As condições em que essas girafas estão sendo mantidas têm sido alvo de críticas. Há alegações de maus tratos e questionamentos sobre a adequação dos cuidados veterinários. O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro (CRMV-RJ) convocou os veterinários responsáveis para esclarecimentos sobre a morte das girafas, levantando preocupações sobre uma possível negligência no manejo dos animais​, mas ainda não há desdobramentos desta situação. 

A legalidade e a ética da importação desses animais foram questionadas. A importação foi justificada como parte de um projeto de conservação, mas críticos argumentam que essa justificativa é falaciosa, já que a espécie das girafas está em crescimento na natureza e não necessitaria de tais medidas ex situ (fora do habitat natural). É essencial que a sociedade tome consciência da gravidade desta situação e exija mudanças nas práticas de manejo e bem-estar dos animais em cativeiro, sempre que esse modo de vida não puder ser evitado. 

O tráfico e o confinamento de animais selvagens para entretenimento humano são práticas cruéis e inaceitáveis. Devemos lutar por políticas mais rígidas que proíbam o tráfico e a comercialização de animais e garantam que todas as espécies possam viver em seus habitats naturais, livres e em condições que promovam seu bem-estar integral. Somente assim poderemos assegurar um futuro mais justo e ético para todos os indivíduos do nosso planeta.

A frente de trabalho do Fórum Animal, Vida Silvestre, Vida Livre, está realizando uma consulta pública para entender melhor a função dos zoológicos em nossa sociedade. Sua opinião é fundamental para moldar políticas que respeitem e protejam os animais selvagens. Participe da consulta e faça a diferença. Acesse silvestrelivre.org.br/consulta .

Thayara Nadal, médica veterinária no projeto Vida Silvestre, Vida Livre do Fórum Animal.

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