fim da exportação de animais vivos

Exportação de animais vivos: Entenda porque uma prática obsoleta e cruel é vendida como promissora
O que é a exportação de animais vivos

No Brasil, a prática consiste em exportar bovinos vivos em grandes embarcações, por via marítima. Os principais destinos são os países do Oriente Médio, principalmente a Turquia e o Norte da África, onde os animais serão abatidos conforme o preceito da religião muçulmana (método Halal).

São viagens de longos percursos, em embarcações antigas e adaptadas para essa finalidade, em situações ambientais desafiadoras que podem durar até 3 semanas. Durante todo o percurso, os animais são mantidos em baias, com ventilação artificial e em uma densidade de animais que impede o conforto mínimo de todos os indivíduos. 

Dados econômicos, Portos de origem e principais destinos

Anualmente, 11 milhões de bovinos são exportados vivos para abate em navios por longas distâncias, sendo que 18% desses animais partem de portos na Oceania e na América do Sul. A Austrália segue sendo o maior exportador de bovinos vivos por via marítima do mundo e o Brasil ocupa a 2ª posição no ranking. Em 2019, o Brasil foi o maior exportador de bovinos vivos para o Oriente Médio e o segundo para o Norte da África (FAO, FAOSTAT: Trade: Live animals, Ministério da Economia, COMEX STAT: Exportação e Importação Geral, Relatório Investigativo da Exportação de Animais Vivos no Brasil, Mercy for Animals, 2021)

O transporte fluvial de animais vivos iniciou em 2002 e apenas 3 estados concentram quase 95% das exportações marítimas de bovinos vivos.Atualmente os animais são embarcados dos Portos de Vila do Conde (PA) – 66,4%, Rio Grande(RS) (20%, São Sebastião (SP) (8,3%) (período de 2012 a 2020). Entre os anos de 2016 a 2020,  a participação da atividade nas exportações dos três estados foi insignificante, representando apenas 1,15% das exportações do Pará (em US$ FOB), 0,34% das exportações do Rio Grande do Sul e 0,06% das exportações do estado de São Paulo, mostrando que no aspecto econômico, a prática também não agrega para o país. 

Segundo dados obtidos no site do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, em 2018, o total de exportações atingiu mais de 700 mil animais e desde então vem apresentando um expressivo declínio. Em 2019 foram 473.925 animais, seguido por 328.654 em 2020 e 59.908 em 2021.

Foto: Paulo Santos
Nossa atuação

O Fórum Animal atua desde 2016, quando nenhuma outra ONG brasileira abordava o assunto, expondo a terrível situação em que os animais são submetidos para a exportação marítima. Nossa equipe técnica e de educação participou de diversas audiências públicas, eventos acadêmicos para discutir o assunto e também elaboramos, periodicamente, materiais de conscientização do público. Além disso, propusemos ação judicial solicitando a interrupção imediata da prática em território nacional até que o país de destino se comprometa a atender condições mínimas de manejo e bem-estar dos animais transportados.  Em janeiro de 2018 conseguimos a suspensão temporária da prática.  Com isso, o navio NADA, que estava atracado no Porto de Santos com mais de 27 mil bovinos, com destino à Turquia teve sua sua partida suspensa (mesmo que temporariamente) e o caso foi amplamente noticiado, gerando grande repercussão social. A liminar foi suspensa por instância superior que alegou que esta causaria dano à economia pública. No momento, o processo aguarda decisão judicial.

O caso NADA exemplificou a situação terrível a que os bovinos são submetidos em viagens de longo percurso e expôs a prática, até então desconhecida e ignorada pela grande maioria, além de forte mobilização dos ativistas pelos animais. Também temos ações integradas com especialistas em bem-estar animal e outras ONGs nacionais e internacionais buscando sensibilizar a sociedade e aumentar nossa rede de colaboração técnica e apoio pelo fim da prática.

Ação dos outros parceiros
Aspectos técnicos que embasam nossa luta

Os profissionais técnicos e outros interessados no setor defendem que o transporte tem normas que, teoricamente, garantem o bem-estar animal. Entretanto, o que sabemos é que o setor é bem pouco transparente e não expõem a condição dos animais durante a viagem e após a chegada ao país de destino. 

Na prática, a situação em que estes animais são transportados é incompatível com qualidade de vida e mínimas condições de bem-estar, uma vez que durante o percurso recebem assistência veterinária insuficiente e há pouca quantidade de profissionais a bordo para realizar manejo adequado e são mantidos em baias com grande densidade populacional que impossibilita movimentos básicos como deitar e levantar e com baixa condição de higiene e limpeza. 

Este cenário de precariedade predispõem a acidentes, doenças e causam sofrimento e prejuízos intensos ao bem-estar dos animais. Uma das principais causas de mortalidade a bordo é o estresse térmico pela alta aglomeração, ventilação insuficiente e animais repletos de dejetos pelo corpo, que impede a dissipação do calor. Além disso, há riscos de impactos ambientais, com a contaminação por dejetos e carcaças de animais mortos que são lançados diretamente no mar, riscos de acidentes pois são frotas antigas, e colaboração com problemas sociais e ambientais relacionados a cadeia produtiva, como animais comprados de fazendas envolvidas em desmatamento ilegal para novas áreas de pastagem e até mesmo trabalho escravo.

Há ainda fatores potencializadores do sofrimento dos animais, como o transporte rodoviário prolongado (que na maioria das vezes excedo às 8 horas previstas na IN 46/2018) – qualidade das rodovias, condução dos caminhoneiros, o manejo pré-embarque, com varas elétricas e agressividade, tempo para adaptação a dieta concentrada, condições que desrespeitam o comportamento natural da espécie e por fim, o método de abate (na grande maioria das vezes sem insensibilização prévia).

Histórico de acidentes e falta de planos de mitigação de acidentes

As frotas de navios que transportam animais vivos são extremamente antigas e muitos deles foram adaptados para essa finalidade, potencializando os riscos de acidentes que se somam. Há registros de incêndios, problemas na ventilação e naufrágios de embarcações, com morte dos animais por sufocamento ou afogamento.

Em outubro de 2015, o navio Haidar naufragou em Barcarena, no Pará, com mais de 5 mil bovinos morreram afogados e outros foram mortos por ribeirinhos. A companhia de docas foi processada e condenada a pagar indenização 4,5 milhões para o município paraense. Além da morte dos animais, o  acidente causou enormes danos ambientais e sociais para a comunidade. 

Outro acidente de enormes proporções aconteceu na Romênia em 2019. O Queen Hind, navio com 14,6 mil ovelhas tombou no Mar Negro, na costa da Romênia com destino a Arábia Saudita

Peritos federais atestam a incapacidade do MAPA em analisar os impactos negativos do transporte para o bem-estar animal

Laudo técnico de Peritos Federal elaborados para o caso do Navio NADA apontam que o ponto de vista do bem-estar animal, os exames identificaram uma atividade desestruturada no âmbito do MAPA, obscura, arriscada, obsoleta, capaz de afetar negativamente de modo inaceitável o bem-estar animal. Além disso, os peritos afirmam a incapacidade do MAPA, órgão fiscalizador e regulamentador, de coletar, registrar e analisar dados que possam afetar negativamente o bem-estar animal durante o transporte marítimo e finalizam que no caso do Navio Nada, não houve produção de indicadores de bem-estar animal confiáveis e auditáveis no âmbito do MAPA.

o caso do Navio Nada não é um problema circunstancial, mas estrutural do transporte marítimo de longa distância. E esse problema não é específico do Brasil. Trata-se de um problema global. E as nações desenvolvidas não estão livres dele, incluindo o maior exportador de animais vivo do mundo: a Austrália.” 

E sobre o papel do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) na fiscalização e garantia do bem-estar animal conclui que o conjunto regulatório do órgão não era e não é suficiente para garantir o bem-estar dos animais, além de ser incapaz de fornecer informações confiáveis e auditáveis sobre variáveis que podem impactar negativamente os animais em todo o processo de produção (das fazendas de origem ao ponto de abate) e finaliza dizendo “Esse laudo considera o transporte de animais por longa distância por via marítima atividade obsoleta e perigosa ao bem-estar animal.” (Trecho do laudo pericial elaborado por Peritos Federais)

Movimentos internacionais pela interrupção da exportação de animais vivos

O movimento pelo fim do transporte marítimo de animais vivos mobiliza ativistas ao redor do mundo. As pressões públicas, políticas e a organização de comitês técnicos com o setor vêm conseguindo algumas mudanças, apesar de demoradas e nem sempre satisfatórias. 

Algumas suspensões definitivas e temporárias estão acontecendo e por fatores relacionados ao impacto no bem-estar animal e também para a imagem internacional de alguns países. Por exemplo, de junho a agosto, Austrália e Irlanda proibiram a exportação para Oriente Médio e Norte da África por razões do estresse térmico, principal causa de óbito nos animais. 

Banir a exportação marítima de animais vivos para abate faz parte do plano nacional de bem-estar animal do Reino Unido após deixar a União Européia. 

O Governo da Nova Zelândia (NZ) anunciou em abril de 2021 o fim da exportação marítima de bovinos vivos com um prazo de transição de 2 anos para a completa interrupção desse comércio. Em Setembro de 2020, foram suspensas as exportações de gado vivo após uma embarcação ter naufragado com 43 membros da tripulação e quase 6.000 bovinos a bordo. A exportação de animais vivos especificamente para abate já estava proibida na NZ, mas permitida para a reprodução e produção leiteira, impondo viagens longas e repletas de sofrimento a diversos animais, incluindo fêmeas prenhes. 

O Ministério da Agricultura neozelandês  afirmou na época do anúncio que considerava inaceitáveis os riscos que esse tipo de comércio poderia apresentar para a reputação do país, uma vez que não conseguiam assegurar o bem-estar dos animais durante o transporte, sendo os riscos maiores que os possíveis benefícios econômicos. Inclusive, um comitê consultivo independente em bem-estar animal já havia recomendado anteriormente ao Ministério que a prática deveria ser interrompida. 

Lutando contra essa prática, entidades de proteção animal do mundo todo estabeleceram o dia 14 de junho como o dia mundial de conscientização para o fim da exportação marítima de animais vivos que visa a conscientização pública e o engajamento de apoiadores. Todos os anos, manifestantes vão às ruas de diferentes cidades, em diferentes países, para expor essa realidade desconhecida pela maioria da população. Devido às restrições impostas pela pandemia, as iniciativas nos últimos dois anos foram realizadas de maneira virtual. Foram realizados um “Twitter Storm” com a #BanLiveExports e a divulgação para assinatura de uma petição pedindo que a União Europeia proíba esse tipo de transporte, seguindo as iniciativas da Nova Zelândia e Reino Unido. Uma proibição oriunda da UE poderá influenciar decisões sobre o futuro da exportação marítima de animais em outros países, como o Brasil.